SOBRAS... - Reedição
SOBRAS...
*
Sobra a cinza do cigarro
e alguns nós dados à pressa
na corda onde recomeça
esta vida a que me agarro:
poeta com pés de barro
que a toda a hora tropeça,
sobre-me, embora, a cabeça,
nestes pés sempre me esbarro
e, hora após hora, me amarro
aos fios que outro alguém me teça
*
De mim, sobre o que sobrar,
restar-me-á quanto chegue
pra que a morte me não negue
mais tempo pra cá ficar?
Tendo a sementeira entregue,
há-de haver alguém que a regue
sempre que ela estiolar...
.
Eu, de tanto semear,
espero que a semente pegue
e dê fruto que aconchegue
todo o que o venha a provar.
*
Pouco peço... e peço tanto!
Todo o vate, a dada altura,
teme a morte prematura:
muda-se-lhe o verso em pranto,
perde força, perde encanto,
todo rescende amargura,
mas... enquanto a vida dura,
vai escrevendo sem quebranto:
Porque a Poesia é espanto,
ser-se poeta não tem cura!
*
Maria João Brito de Sousa
15.05.2016 - 14.45h
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