RAZÕES PARA...
"Cravo" de Daniel Filipe Rodrigues
*
RAZÕES PARA UMA BOA AUSCULTAÇÃO
DA MISÉRIA SOCIAL ENDÉMICA
*
Com quantas lágrimas verte,
Com quanta dor te arrebanha,
Te aborda e depois se entranha,
Vem a miséria que, ao ver-te,
Te condena, te perverte,
Faz de ti farrapo humano,
Te lança no desengano,
Te desgraça, te desdenha,
Te transforma em coisa estranha
Pr`a melhor poder perder-te!
Vem, quando menos sonhavas,
Infiltrar-se, sorrateira,
Estudando a melhor maneira
De açambarcar quanto amavas,
De negar-te o que aspiravas,
De minar-te a resistência
Quando, com estranha insistência,
Te obriga a ser quem não queres,
Desmentindo o que disseres
Pra tomar-te a dianteira…
Muito poucos voltarão
A dar-te o valor que tens,
Que ela não rouba só bens,
Muda, inteira, a condição
E, além de roubar-te o pão,
Coloca-te uma etiqueta
Das que abundam na sarjeta
Dos humanos preconceitos
Onde alguns poucos eleitos
Encontram fama e razão…
Quanto mais dúbia, mais duro
Se torna o jugo que impôs
Sobre a voz da tua voz
Quando aperta, furo a furo,
O cinto com que o esconjuro
Te abraçou nesse momento
Em que, sem outro argumento,
Te afastou de quanto amaste
E logo, em claro contraste,
Te impôs seu próprio futuro
Pois assim que essa armadilha
Por elites preparada,
Tão fatal, tão bem estudada,
Que nem a própria partilha
Bloqueia os rumos que trilha,
Se estende tão triunfante,
Como se fora um gigante
De bocarra escancarada
Cravando, pela calada,
A dentuça acutilante,
E, munida das mil manhas
Que tem escondidas na manga,
Faz, do amigo, um seu capanga
Com duas ou três patranhas
De opacidades tão estranhas
Que, nas malhas enrededado,
Já nem sabes pra que lado
Te empurra essa dura canga:
Se prá fome ou se prá tanga
De quem, de homem, fez coitado.
*
Maria João Brito de Sousa
15.11.2013 – 14.47h
***
Reedição
*