PESCARIA(S) Reedição
PESCARIA(S)
*
I
Lanço a fateixa. A jangada
Estremece e fica parada
No meu mar de beira rio
E à rede, já remendada,
Lanço-a à água... é tudo ou nada,
Que trago o bote vazio:
Venha atum, raia ou safio,
Quando a malha for puxada
E outro mar de água salgada
Dela escorrer, fio a fio!
*
II
Mas se entre as malhas da rede
Não há peixes de verdade
E eu cometo a veleidade
De usá-los como quem cede
À distância que se mede
Entre mentira e verdade
Quando o poema me invade,
Que sede dessoutra sede
Que a minha sede precede,
Traz e leva, a quem nem pede,
Frutos de um mar que é de jade?
*
III
Cordas que apenas invento
Tecem-me as malhas da vida
E foi-me a Barca erigida
Num mar que eu mesma sustento...
Meus remos? Sopros de vento
À espera do que eu decida:
Se quero a fateixa erguida
Sobre um mar tão turbulento,
Ou se aguardo mais um tempo
E lanço a rede em seguida...
*
IV
Pra que banquete, afinal,
Nos convida este poema
Cuja autora faz que rema
No mar do seu próprio sal?
Em que jangada irreal
Singra as ondas do fonema?
Quem lhe diz que vale a pena
E jura não ser por mal
Que estende no areal
Uma ilusão pura e plena?
*
V
Parábola, alegoria,
Mas não mera brincadeira,
Pois não é coisa ligeira
Tecer-se uma fantasia
Que, mais dia, menos dia,
Se há-de tornar verdadeira
Já que sempre achou maneira
De dar vida à pescaria:
Mais pesca quem mais porfia
E esta porfia-se inteira!
*
Maria João Brito de Sousa
02.04.2018 – 19.52h
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