PESCARIA(S)
A PESCARIA
I
Lanço a fateixa. A jangada
Estremece e fica parada
No meu mar de beira rio...
À rede, já remendada,
Lanço-a à água... é tudo ou nada,
Que trago o bote vazio;
Venha atum, raia e safio,
Quando a malha for puxada
E outro mar de água salgada
Dela escorrer, fio a fio!
II
Mas se entre as malhas da rede
Não há peixes de verdade
E eu cometo a veleidade
De usá-los como quem cede
À distância que se mede
Entre invenção e verdade
Quando o poema me invade,
Que sede dessoutra sede
Que a minha sede precede,
Traz e leva, a quem nem pede,
Filhos do meu mar de jade?
III
Cordas que apenas invento
Tecem-me as malhas da vida
E a barca foi-me erigida
Num mar que eu mesma sustento...
Meus remos? Sopros de vento
À espera do que eu decida;
Se quero a fateixa erguida
Sobre um mar tão turbulento,
Ou se imóvel me contento
E lanço a rede em seguida.
IV
Pra que banquete, afinal,
Nos convida este poema
Se a autora finge que rema
No mar do seu próprio sal?
Em que jangada irreal
Singra as ondas do fonema?
Quem nos diz que vale a pena?
Quem jura não ser por mal
Que estende no areal
Uma ilusão pura e plena?
V
Parábola, alegoria,
Mas não mera brincadeira,
Pois não é coisa ligeira
Criar-se a malha vazia
Que, mais dia, menos dia,
Se há-de tornar verdadeira
Já que sempre achou maneira
De dar corpo à pescaria;
Mais pesca quem mais porfia
E, esta, porfia-se inteira!
Maria João Brito de Sousa – 02.04.2018 – 19.52h