PASSAM AS POMBAS EM BANDOS
PASSAM AS POMBAS EM BANDOS
*
(Décimas)
I
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Passam as pombas lá fora
Exercendo o seu direito
Ao vôo livre e perfeito
De que nos privam agora...
Hoje, um só passo é demora,
O espaço é mais curto e estreito
E até o tempo, esse eleito,
Ousou expandir cada hora...
Voa bem alto e nem chora
A dor que trago no peito!
*
II
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Pode até ser um queixume,
Um grito mal apagado
Nas cinzas do meu passado
Que já foi espanto e foi lume
E que agora se resume
A este delírio alado;
Voam, rasando o telhado,
Pombas, como de costume...
Que absurdo! Sinto ciúme
Até de um vôo inventado...
*
III
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Da terra que já não piso,
Das pombas que vão passando
E sobrevoam, em bando,
Este meu último piso...
Volto a mim. Choro de riso
E, de mim, fico troçando
Enquanto as pombas, voando,
Me afirmam não ser preciso
Rir-me da falta de siso
Que a solidão vai gerando.
*
Maria João Brito de Sousa – 26.03.2020 – 19.14h