O PRIMEIRO ESPINHO
I
O menino não dormia,
Gemia muito baixinho
Esperando, no seu escaninho,
Que rompesse um novo dia.
Teimosa, a chuva caía
Num compasso miudinho;
Era a hora do soninho,
Mas nenhum sono surgia
E a noite era uma agonia
Roendo, devagarinho,
Esse menino sozinho
Que eu nunca mais esqueceria
De ter visto, em noite fria,
Fazer de um canteiro um ninho...
II
Num impulso de carinho
Que eu, menina, lhe devia,
Perguntei-lhe se podia
Sentar-me no seu cantinho,
Conversar um bocadinho,
Perguntar porque gemia
E até dar-lhe uma fatia
Do meu pão. Tão poucochinho!
Mas, assim, pelo caminho,
Nada mais encontraria...
(para mim mesma dizia)
Dei-lhe o pão todo inteirinho
E afastei-me de mansinho
Sem sequer ver que o comia,
III
Que, de súbito, sorria
Apesar do frio. Que linho
Lhe cobriria o corpinho?
Que chama o aqueceria?
Caminhando, reflectia
Sobre a vida e o pobrezinho
Tão pequeno, tão magrinho...
Da reflexão me nascia
Algo que hoje me arrepia,
Algo amargo, algo daninho
Sobre “sorte” e descaminho;
O que era que em mim crescia
E de amargura me enchia?
Era o meu primeiro espinho.
Maria João Brito de Sousa – 03.09.2017 – 19.17h
(Reservados os direitos de autor)