MEIO MANTO, O DE MARTINHO...
MEIO MANTO, O DE MARTINHO
I
Nunca quebro os pés da quadra,
Quebro os pés com que caminho
Ao longo do que adivinho
Ser uma anónima estrada
Já velha e mal empedrada
Onde, passinho a passinho,
Por vezes sem pão, nem vinho,
Prossigo esta caminhada
Ora neutra, ora enfeitada
Por algo bem comezinho;
II
Se é Natal, por azevinho,
Mas, na Páscoa, amendoada,
Num bom folar cozinhada
Com mestria, com carinho,
Não fique outro irmão sozinho
Quando eu farta, alimentada
E pla vida agasalhada,
Guardo o manto de Martinho
Inteiro, muito inteirinho,
Sem sentir-me, eu, espoliada.
III
Não quebro a pedra à calçada,
Quebro a vida, ninho a ninho,
Se usar seda em vez de linho
E for de ouro a minha espada;
Não sei de espada dourada
Que não matasse um vizinho,
Ou respeitasse um velhinho
Quando desembainhada...
Eu, que não trespasso nada,
Uso um meio, o de Martinho.
III
Deixo que o pequeno arminho
Crie em paz uma ninhada
E, caso trema gelada,
Engendro as tramas de um linho
Que teço devagarinho
Ao tear, bem concentrada...
A chama mais apagada
Há-de aquecer-me, é certinho!
Meio manto, o de Martinho,
Meio, o meu...estou-lhe irmanada!
Maria João Brito de Sousa – 03.04.2018 -15.15h