EU, LUGAR ERMO E SELVAGEM
Charneca Alentejana - Tela de Silva Porto
EU, LUGAR ERMO E SELVAGEM
*
(Décimas)
Juro ser, as mais das vezes,
Um lugar ermo e selvagem!
Aos olhos, serei paisagem,
Fruto de uns milhões de meses
Que, alheios a tais revezes,
Vão sendo postos à margem
Por quem presta vassalagem
À ganância dos burgueses
E esconde, em gestos cortezes,
Os crimes de alta linhagem...
*
Pardela, sapo-parteiro,
Anguinha, abelha, formiga,
Folha rasteira de urtiga
Rompendo um chão derradeiro
Dia-a-dia, a tempo inteiro,
Cumprindo a tal força antiga,
Cantando, eterna, a cantiga
Que, desde o dia primeiro,
Transmuta mato rasteiro
Em tão fecunda barriga...
*
Selvagem, sim! Porque não?
Tanto assusta o que, liberto,
Floresça de modo incerto,
Sem que um humano padrão
Esmague o fruto desse chão
Até torná-lo deserto
Pra somar-lhe o desconcerto
De uns muros de aço e betão?
E, nestoutra dimensão,
Eu, tão distante e tão perto...
*
MariaJoão Brito de Sousa
24.03.2015 – 00.14h
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