DANDO UM ROSTO À VOZ QUE TENHO - reedição
DANDO UM ROSTO À VOZ QUE TENHO
*
I
*
Que coisa fiz, ou não fiz,
Que às coisas que tenho feito
Juntasse nódoa ou defeito
Ou dissesse o que eu não quis?
Do que o bom senso me diz,
Repito aquilo que aceito:
Estar e ser deste meu jeito
É que me torna feliz
Mesmo ferindo a cicatriz
De um antigo preconceito…
*
II
*
Nesta postura me privo
Duma imagem que convém
A quem fuja do desdém
De uns poucos com quem convivo,
Mas, se um só ficar cativo,
A mim só me fará bem
Ir um pouco mais além
Sem prender-me ao velho arquivo:
Antes, num poema esquivo,
Dou rosto à voz que o contém!
*
III
*
Se frontalmente me assumo
Dando um rosto à voz que tenho,
Se escrevo e nem me detenho
Nos planos de um novo rumo,
Se é tão pouco o que consumo,
Se outro rumo, sendo estranho,
Me fizer franzir o cenho
Como se eu, mero resumo
Da tal “obra” em que me aprumo,
Fosse o que eu mesma desdenho
*
IV
*
Por que fingir-me dif`rente?
Pra quê “morna e colorida”
Se directa e desabrida
Tanto digo a tanta gente?
Pobre, mas nunca indigente,
Pardal bravo ou fera ferida,
Não procurarei na vida
Muito mais do que a semente
Que é pequena mas faz frente
À aridez mais ressequida
*
Maria João Brito de Sousa
06.07.2014 – 18.33h
***