CANTANDO COM CAMÕES - VII
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CANTIGA
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A hüa Senhora a quem deram um
pedaço de cetim amarelo pera hüa
filha de quem se tinha suspeita
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TROVAS
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Se derivais da verdade
esta palavra Sitim,
achareis, sem falsidade,
que após o Si, tem o Tim,
que tine em toda a cidade.
Bem vejo que me entendeis;
mas porque não fale em vão,
sabei que a esta nação
tanto que o Si concedeis
o Tim logo está na mão.
E quem da fama se arreda,
que tudo vai descobrir,
deve sempre de fugir
de sitins, porque da seda
seu natural é rugir.
Mas pano fino e delgado,
qual raxa e outros assi,
dura, aquenta e é calado,
amoroso, e dá de si,
mais que sitim, nem borcado
.
Mas estes, que sedas são
com quem s'enganam mil Damas,
mais vos tomam do que dão;
prometem, mas não darão
senão nódoas para as famas.
E se não me quereis crer,
ou tomais outro caminho,
por exemplo o podeis ver,
quando lá virdes arder
a casa de algum vezinho.
Ó feminina simpreza,
donde estão culpas a pares,
que por um Dom de nobreza,
deixam dões de natureza,
mais altos e singulares
-um dom que anda enxertado
no nome, e nas obras não!-
(Falo como exprimentado;~
que, sitim desta feição,
eu tenho muito cortado.)
Dizem-me que era amarelo;
a quem assi o quis dar,
só para me Deus vingar,
se vem à mão, amarelo,
o que eu não posso cuidar.
Porque quem sabe viver
por estas artes manhosas~
(isto bem pode não ser),
dá a mininas fermosas
somente polas fazer.
Quem vos isto diz, Senhora,
serviu nas vossas armadas
muito, mas anda já fora;
e pode ser que inda agora
traz abertas as frechadas.
E, posto que desfavores
o tiram de servidor,
quer-vos ventura milhor;
que dos antigos amores
inda lhe fica este amor.
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Luís Vaz de Camões
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Resposta De Essa Hüa Mesma Senhora
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Embora sendo singelo
O sitim que m`amostrais
Peca por ser amarelo
E também caro demais...
Não serve, muito obrigada
Pela vossa prelecção
Que vos não serviu de nada
Porque vos disse que não...
Guardai o "si" e o "tim"
Pra vossa filha, talvez.
Porque a minha sai a mim,
Prefere um pano cortês,
Mais delicado e macio
Do que esse que é fraca rês...
*
Se vos veio agora à mão,
Esse amarelo tingido
Vendei-o, pois, ao marido
De vossa filha, senão
Talvez venha ele a achá-lo
Nas mãos de quem não conheça
E, se vir de perto a peça,
Pode bem vir a amargá-lo...
*
Não cuideis do que me cabe
A mim trazer bem cuidado:
Guardo o que é meu bem guardado,
Do vosso é que ninguém sabe!
*
E se me falais de manhas
Ou de dons da natureza
Pressinto invenções tacanhas,
Farejo a vossa baixeza:
Teias, peçonhas, aranhas...
Não lhes vou servir de presa!
*
Tendes o dom da palavra,
Ou então pensais que o tendes,
Mas vosso discurso é lavra
Do mal que em vós não contendes
Mas que injuria e deprava
Até ogros e duendes!
*
Daqui me vou sem sitim
E sem paciência também!
Só de pensar que aqui vim
Perco mais do que um vintém
E fico fora de mim,
Coisa que nada convém!
*
De "si" fiquei mais que farta
E esse "tim" não me agradou
Porque se me afigurou
Fraca e delgada lagarta
Que pra comer nada achou...
*
Noutro mercante acharei
Tecido mais bem lavrado:
Não será de ouro de lei,
Nem de seda ou de borcado,
Mas com certeza o trarei
E, se possível, fiado!
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Mª João Brito de Sousa
09.12.2024 - 23.30h
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A Cantiga/Mote e as Trovas de Camões
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