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http://asmontanhasqueosratosvaoparindo.blogs.sapo.pt

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EIS AS MONTANHAS QUE OS RATOS VÃO PARINDO

por muito pequenos que pareçam ser... NOTA - ESTE BLOG JAMAIS SERVIRÁ CAFÉS! ACABO DE DESCOBRIR QUE OS DOWNLOADS SE PAGAM CAROS...

SUPER FLUMINA BABYLONIS - Excerto do poema de Luís de Camões

21.12.24 | Maria João Brito de Sousa

casal pint.jpg

Imagem Pinterest

*

SUPER FLUMINA BABYLONIS
*

Sôbolos rios que vão

por Babilónia, m'achei,

onde sentado chorei

as lembranças de Sião

e quanto nela passei.

Ali o rio corrente

de meus olhos foi manado,

e tudo bem comparado,

Babilónia ao mal presente,

Sião ao tempo passado.

Ali, lembranças contentes

n'alma se representaram,

e minhas cousas ausentes

se fizeram tão presentes

como se nunca passaram.

Ali, despois de acordado,

co rosto banhado em água,

deste sonho imaginado,

vi que todo o bem passado

não é gosto, mas é mágoa.

E vi que todos os danos

se causavam das mudanças

e as mudanças dos anos;

onde vi quantos enganos

faz o tempo às esperanças.

Ali vi o maior bem

quão pouco espaço que dura,

o mal quão depressa vem,

e quão triste estado tem

quem se fia da ventura.

Vi aquilo que mais val,

que então se entende milhor

quanto mais perdido for;

vi o bem suceder mal,

e o mal, muito pior.

E vi com muito trabalho

comprar arrependimento;

vi nenhum contentamento,

e vejo-me a mim, que espalho

tristes palavras ao vento.

Bem são rios estas águas,

com que banho este papel;

bem parece ser cruel

variedade de mágoas

e confusão de Babel.

Como homem que, por exemplo

dos transes em que se achou,

despois que a guerra deixou,

pelas paredes do templo

suas armas pendurou:

Assi, despois que assentei

que tudo o tempo gastava,

da tristeza que tomei nos

salgueiros pendurei os órgãos

com que cantava.

Aquele instrumento ledo

deixei da vida passada,

dizendo:-Música amada,

deixo-vos neste arvoredo

à memória consagrada.

Frauta minha que, tangendo,

os montes fazíeis vir

para onde estáveis, correndo;

e as águas, que iam decendo,

tornavam logo a subir:

jamais vos não ouvirão

os tigres, que se amansavam,

e as ovelhas, que pastavam,

das ervas se fartarão

que por vos ouvir deixavam.

Já não fareis docemente

em rosas tornar abrolhos

na ribeira florecente;

nem poreis freio à corrente,

e mais, se for dos meus olhos.

Não movereis a espessura,

nem podereis já trazer

atrás vós a fonte pura,

pois não pudestes mover

desconcertos da ventura

Ficareis oferecida

à Fama, que sempre vela,

frauta de mim tão querida;

porque, mudando-se a vida,

se mudam os gostos dela.

Acha a tenta mocidade

prazeres acomodados,

e logo a maior idade

já sente por pouquidade

aqueles gostos passados.

Um gosto que hoje se alcança,

amanhã já o não vejo;

assi nos traz a mudança

de esperança em esperança,

e de desejo em desejo.

Mas em vida tão escassa

que esperança será forte?

Fraqueza da humana sorte,

que, quanto da vida passa

está receitando a morte!

Mas deixar nesta espessura

o canto da mocidade,

não cuide a gente futura

que será obra da idade

o que é força da ventura.

Que idade, tempo, o espanto

de ver quão ligeiro passe,

nunca em mim puderam tanto

que, posto que deixe o canto,

a causa dele deixasse.

Mas, em tristezas e enojas

em gosto e contentamento,

por sol, por neve, por vento,

terné presente a los ojos

por quien muero tan contento.

Orgãos e frauta deixava,


despojo meu tão querido,

no salgueiro que ali estava

que para troféu ficava

de quem me tinha vencido.

Mas lembranças da afeição

que ali cativo me tinha,

me perguntaram então:

que era da música minha

que eu cantava em Sião?

Que foi daquele cantar

das gentes tão celebrado?

Porque o deixava de usar?

Pois sempre ajuda a passar

qualquer trabalho passado.

Canta o caminhante ledo

no caminho trabalhoso.

por antr'o espesso arvoredo

e, de noite, o temeroso

cantando, refreia o medo.

Canta o preso documente

os duros grilhões tocando;

canta o segador contente;

e o trabalhador, cantando,

o trabalho menos sente.

Eu, qu'estas cousas senti

n'alma, de mágoas tão cheia

Como dirá, respondi,

quem tão alheio está de si

doce canto em terra alheia?

Como poderá cantar

quem em choro banh'o peito?

Porque se quem trabalhar

canta por menos cansar,

eu só descansos enjeito.

Que não parece razão

nem seria cousa idónea,

por abrandar a paixão,

que cantasse em Babilónia

as cantigas de Sião.

Que, quando a muita graveza

de saudade quebrante

esta vital fortaleza,

antes moura de tristeza

que, por abrandá-la, cante.

Que se o fino pensamento

só na tristeza consiste,

não tenho medo ao tormento

que morrer de puro triste,

que maior contentamento?

Nem na frauta cantarei

O que passo, e passei já,

nem menos o escreverei,

porque a pena cansará,

e eu não descansarei.

Que, se vida tão pequena

se acrecenta em terra estranha,

e se amor assi o ordena,

razão é que canse a pena

de escrever pena tamanha.

Porém se, para assentar

o que sente o coração,

a pena já me cansar

não canse para voar

a memória em Sião.

Terra bem-aventurada,

se, por algum movimento,

d'alma me fores mudada,

minha pena seja dada

a perpétuo esquecimento.

A pena deste desterro,

que eu mais desejo esculpida

em pedra, ou em duro ferro,

essa nunca sela ouvida,

em castigo de meu erro.

E se eu cantar quiser,

em Babilónia sujeito,

Hierusalém, sem te ver,

a voz, quando a mover,

se me congele no peito.

A minha língua se apegue

às fauces, pois te perdi,

se, enquanto viver assi,

houver tempo em que te negue

ou que me esqueça de ti.

Mas ó tu, terra de Glória,

se eu nunca vi tua essência,

como me lembras na ausência?

Não me lembras na memória,

senão na reminiscência.

Que a alma é tábua rasa,

que, com a escrita doutrina

celeste, tanto imagina,

que voa da própria casa

e sobe à pátria divina.

Não é, logo, a saudade

das terras onde naceu

a carne, mas é do Céu,

daquela santa cidade,

donde esta alma descendeu.

E aquela humana figura,

que cá me pôde alterar,

não é quem se há-de buscar:

é raio de fermosura,

que só se deve de amar.

Que os olhos e a luz que ateia

o fogo que cá sujeita,

não do sol, mas da candeia,

é sombra daquela Ideia

que em Deus está mais perfeita.

E os que cá me cativaram

são poderosos afeitos

que os corações têm sujeitos;

sofistas que me ensinaram

maus caminhos por direitos.

Destes, o mando tirano

me obriga, com desatino,

a cantar ao som do dano

cantares d'amor profano

por versos d'amor divino.

Mas eu, lustrado co santo

Raio, na terra de dor,

de confusão e de espanto,

como hei-de cantar o canto

que só se deve ao Senhor?

Tanto pode o beneficio

da Graça, que dá saúde,

que ordena que a vida mude;

e o que tomei por vício

me faz grau para a virtude;

e faz que este natural

amor, que tanto se preza,

suba da sombra ao Real,

da particular beleza

para a Beleza geral (...)

***

 

Luís de Camões

***
.

SUB AQUA IN BABYLONIA
*


Sôbolos rios que evocais,

Irei eu, meu coração,

E também irá Sião

Já que de Sião falais

E de mim não cuidais, não...

Sigo o vosso pensamento

Pra mitigar vossas mágoas

Mas não me afogo nas águas

Que antes sufoco em tormento

Como lava entre ígneas fráguas...

Não me ouvis e não me vedes

Mas sôbolos rios levada

Serei a moura encantada

Que vem matar vossas sedes

Recolher as vossas redes

E alumiar-vos a estrada....

Trago no meu corpo a lira

Pra que a tenhais sempre à mão

Já que me cabe a função

De evitar que assim vos fira

O silêncio de Sião...

Se acaso vos debruçásseis

Sobre o meu corpo invisível,

Continuaria intangível

Ainda que me tocásseis,

Pois de ideias sou tecida:

Dos sonhos que haveis sonhado

Me ergui, bocado a bocado:

Estou viva não tendo vida...

Mas de mim não cuideis mais,

Não sou Pátria nem Nação

E se cumpro esta missão

Sonho tudo o que sonhais...

Vossa amada frauta trago

No meu peito inexistente:

Toda sou de água corrente,

Toda eu sereno afago

Cujo afagar se não sente...

Mas falai, contai-me ainda

Dessa terra em que viveis

Tão dif`rente em suas leis,

Tão miserável quão linda...

Oh, julgo ter-vos chocado!

Como pudestes ouvir-me

Se a corrente avança firme?

Estou bem perto, a vosso lado,

Mas terei de despedir-me

Se em vez simples ideia

Passar a ter corpo e voz...

Ah, ser ouvida por vós

Quase, quase me incendeia,

Mas seria um erro atroz

Que me imporia a partida

E a desistência total

Deste meu ser virtual

Por missão jamais cumprida...

Não me olheis, por Deus, parai

De procurar, junto aos rios,

Pelo meu corpo de fios

Que pelas águas se vai

Em ondas e rodopios

Que não podereis tocar...

Deixai que fique convosco:

Imaginai-me qual tosco

Velho tronco a flutuar...

E assim num galho me enrosco,

Pra que não consigais ver

Nem sinal disto que sou

Já que a minha voz negou

Que sou, afinal, mulher...
*


De água estando disfarçada

Amei-vos, sofri por vós,

Vós que desatais os nós

Da minha capa encantada

E agora, ficámos sós,

De olhos nos olhos que choram

Mil mágoas sôbolos rios

Que correm cheios/vazios:

Ai dos meus que se enamoram,

Ai dos vossos porque eu vi-os...
***


Mª João Brito de Sousa

21.12.2024 - 15.50h
***

O Poema Super Flumina Babylonis

foi recolhido no Blog

Sociedade Perfeita

 

Nota - Por falta de espaço, foi-me impossível

publicar todo o longo poema 

que poderão ler na íntegra no blog 

de onde este extracto foi recolhido