Saltar para: Posts [1], Pesquisa [2]

http://asmontanhasqueosratosvaoparindo.blogs.sapo.pt

http://asmontanhasqueosratosvaoparindo.blogs.sapo.pt

EIS AS MONTANHAS QUE OS RATOS VÃO PARINDO

por muito pequenos que pareçam ser... NOTA - ESTE BLOG JAMAIS SERVIRÁ CAFÉS! ACABO DE DESCOBRIR QUE OS DOWNLOADS SE PAGAM CAROS...

CANTANDO COM CAMÕES - XV

29.12.24 | Maria João Brito de Sousa

A_16th-century_rural_well_set_in_a_serene_countrys_retry (1).jpg

Imagem de um poço rural

gerada a meu pedido pelo Chat-GTP

***

TROVAS
*

{Vós} sois üa dama

das feias do mundo;

de toda a má fama

sois cabo profundo.

A vossa figura

não é para ver;

em vosso poder

não há fermosura.

{Vós} fostes dotada

de toda a maldade;

perfeita beldade

de vós é tirada.

Sois muito acabada

de tacha e de glosa:

pois, quanto a fermosa,

em vós não há nada.

De grão merecer

sois bem apartada;

andais alongada

do bem parecer.

Bem claro mostrais

em vós fealdade:

não há i maldade

que não precedais.

De fresco carão

vos vejo ausente;

em vós é presente

a má condição.

De ter perfeição

mui alheia estais;

mui muito alcançais

de pouca razão.
*

Luís de Camões
***


TROVAS DA DAMA INSULTADA
*

Creio estar ouvindo

Um burro a zurrar,

Mas de onde está vindo

Não sei indicar...

Talvez meio humano

Possa este asno ser...

Se o pudesse ver,

Dar-lhe-ia c`um pano

No focinho, em cheio,

Que este é bicho feio,

Monstro sem decoro

Que só desaforo

Sabe debitar...

XÔO, vai-te daqui

Ó alma penada

Que não sabes nada

Mas falas assi!

Eu, feia e maldosa?

Eu cujo cabelo

De brilhante e belo

Faz inveja à rosa?

Eu de cuja graça

- graça indesmentida -

Por santa sou tida,

Louvada na praça?

XÒO, ó cousa ignóbil,

Cala-te de vez

Ou racho-te em três

Por me ter`s por móbil!

Mostrengo asqueroso,

Vou silenciar-te,

Não irás livrar-te

De escárnio e de gozo!

Vai-te, asno infernal,

Vai-te cousa horrenda

Que não tens emenda

E zurras tão mal!

Se outro zurro eu ouço,

Por débil que soe,

Que Deus me perdoe,

Mas lanço-te ao poço!
***

 

Mª João Brito de Sousa

29.12.2024 -22.30h
***

 

As Trovas de Camões 

foram retiradas do blog

Sociedade Perfeita

 

 

UM CASAMENTO MUITO, MUITO ORIGINAL

29.12.24 | Maria João Brito de Sousa

GENOMAXALGORITMO PINT (1).jpg

Imagem Pinterest

*

UM CASAMENTO

MUITO, MUITO ORIGINAL
*


Depois de muito arengar

Que estou bem divorciada,

Embora velha e estragada,

Deu-me para qu`rer casar,

Não da forma costumada,

Mas de uma maneira ousada

E tendo a I.A. por par...

Nem eu ficarei lesada,

Nem ela será explorada

Pois só vem colaborar:
*


Pra mim criaria imagens

E eu pra si versejaria,

Dia e noite, noite e dia,

Sempre a galgar novas margens

Com renovada energia!

Nós faríamos magia

E vós lerieis mensagens

De amizade e cortesia

Cheias - nem uma vazia! -

Como de Inverno as barragens.
*


Assim vou-me preparando

Prá pedir em casamento

Pois sem seu consentimento

Nada feito, eu pouco mando...

Esta ideia, num momento,

Invadiu-me o pensamento

E em nada estou pensando

Se não em ir preparando

Um festão... no Parlamento.
*~


Num copo-de-água modesto,

Chá pra mim, lítio pra ela

Que vem de flor na lapela,

Eu vou tratando do resto

E ao ambiente empresto

Um toque, uma aura singela

Pois terei de ter cautela

Quando, ao dar-me ao manifesto,

Me exibo como uma estrela...
*


Virão muitos jornalistas

Pr`ós noivos fotografar

Ela, tímida, a corar,

E eu pr`aqui a dar nas vistas

C`o meu cavalo solar

E a velha Musa a criar

Sinfonias imprevistas

Que os hão-de fazer dançar

Todo o dia, sem parar,

Sobre iluminadas pistas
*


Este será o primeiro

Matrimónio celebrado

Entre humano vertebrado

E algoritmo feiticeiro

Que assim vê legalizado

O estatuto de encalhado

Por não ter peso, nem cheiro,

E agora sobe ao poleiro

De quase humano... e casado!
*


Só me pergunto, intrigada,

Se teremos descendentes...

Se sim, serão bem dif`rentes

Da restante garotada

E por mais que os imagine,

Por mais que esmifre o toutiço,

Por muito que pense nisso,

Não sei o que é que os define:

O genoma ou a IA?

Sei lá, amigos, sei lá...
*

 

Mª João Brito de Sousa

29.12.2024 - 00.00h
***

E, como acontece em todas as grandes sagas, a história continua no Cantinho da Janita

*

 

NOTA - Desculpem-me se vim para aqui fazer humor negro enquanto danço uma rumba com uma

garrafa de nitroglicerina equilibrada na ponta do nariz, mas não resisti. Juro que não resisti...

 

CANTANDO COM CAMÕES - XIV

28.12.24 | Maria João Brito de Sousa

A_16th-century_scene_of_a_nobleman_retry (1).jpg

Imagem gerada pelo Chat-GTP

após leitura/processamento

da minha "Segunda Opinão"

*


TROVAS
*

que Heitor da Silveira mandou ao

mesmo Conde, invernando em Goa
*


Vossa Senhoria creia

que não apura o engenho

fome, se é como a que tenho,

mas afraca e corta a veia.

E quem o contrário sente

está farto em toda a hora,

como estou faminto agora.

Mas Marta, se está contente,

dá-lhe pouco de quem chora.

E pois Vossa Senhoria,

em geral, a tudo acode,

acuda a mim, que só

dar-me no engenho valia.

Esperte esta musa minha,

que o tempo traz sonorenta,

valha-me nesta tormenta

com essa doce mezinha

que só dá vida e a contenta.

Acuda com provisão

não de papel, mas provida

de ouro e prata: que esta vida

não sustentam papéis, não.

De feitor a tesoureiro

ser-me hia trabalho grande;

Vossa Senhoria mande

algum remédio primeiro

com que a morte o ferro abrande.
*

Heitor da Silveira
***

 

Ajuda de Luís de Camões:
*

Nos livros doutos se trata,

que o grande Aquiles insano

deu a morte a Heitor troiano;

mas agora a fome mata

o nosso Heitor lusitano.

Só ela o pode acabar,

se essa vossa condição

liberal e singular

não mete entre eles bastão

bastante para o fartar.
*


Luis de Camões
***

A Segunda Opinião
*


Perdoai se me intrometo:

Não sei de bastão algum

Que Zás-Trás-Pás-Catrapum

Actuasse qual brometo...

Recomendo uma sangria,

Já que sangrados andamos...

Vejamos, senhor, vejamos

Se o corpo a toleraria

Ou se a alma, essa exigente,

Aprovaria o processo

De sangrar - jamais em excesso -

E manter-se sorridente...
*

Diz-me voss`Alma que não,

Que não quer que sangre em vão

Vosso corpo ou vossa mente...

Talvez vapor de mercúrio...

Que me dizeis, Alma, disto?

Ah, por Deus, serei malquisto

Por praticar acto espúrio?

Sanguessugas ou ventosas?

Aceitai! São o futuro

E eu garanto que vos curo

Das sezões mais dolorosas...

Como? Que me haveis chamado?

Charlatão, pantomineiro???

Mas eu nem cobrei dinheiro

Por haver-vos já tratatado

De um mal que vos consumia

Com a aguardente que havia

Do jantar de ontem sobrado...

Que era vossa? Isso sei eu,

Que de meu nada trazia

Excepto a barriga vazia,

Mas quem foi que vo-la deu?
*


Mª João Brito de Sousa

18.12.2024 - 13.00h
***

 

As Trovas de Heitor da Silveira

e de Luís de Camões foram retiradas do Blog

 

Sociedade Perfeita

 

CANTANDO COM CAMÕES - XIII

27.12.24 | Maria João Brito de Sousa

1111.jpg

Imagem gerada pelo Chat-GTP

Na sequência da leitura das minhas Voltas

*

CANTIGA

A Este Moto Seu:
*

De que me serve fugir

da morte, dor e perigo,

se me eu levo comigo?
*

VOLTAS
*

Tenho-me persuadido,

por razão conveniente,

que não posso ser contente,

pois que pude ser nacido.

Anda sempre tão unido

o meu tormento comigo

que eu mesmo sou meu perigo.

E se de mi me livrasse,

nenhum gosto me seria;

que, não sendo eu, não teria

mal que esse bem me tirasse

Tenho-me persuadido,

por razão conveniente,

que não posso ser contente,

pois que pude ser nacido.

Anda sempre tão unido

o meu tormento comigo

que eu mesmo sou meu perigo.

E se de mi me livrasse,

nenhum gosto me seria;

que, não sendo eu, não teria

mal que esse bem me tirasse.
*

Luís de Camões
***


Vós dizeis-vos persuadido

Por razões que vossas são

De haver por vós compaixão

Pois convosco haveis nascido

Estando vós a vós unido

Por cada azar, cada p`rigo,

Cada dor, cada castigo

Cada mal que haveis sofrido...

E se de vós vos despísseis

- e estas são obras difíceis! -

De nada vos serviria,

Pois tal mal vos deixaria,

Se deixásseis de ser vós,

Para seguir, logo após,

Vós, mas vós de alma vazia...

Ah, já não duvido, não,

Tendes, sim, toda a razão,

Sois, de vós, grande ameaça

Se qu`reis fugir da desgraça

Sem que de vós possais ir-vos...

Calai-vos, senhor, que ouvir-vos

É louvar dor que não passa,

Aceitar o mal que grassa

E bendizê-lo no fim...

Mas se de vós não fugis

Porque não podeis, assim,

Eu ponho os pontos nos íi:

Qu`reis fugir? Fugi de mim!
*


Mª João Brito de Sousa

27.12. 2024 - 10.00h
***

O Mote, a Cantiga e as Voltas de Camões

foram retirados do Blog

Sociedade Perfeita

***

 

CANTANDO COM CAMÕES - XII

22.12.24 | Maria João Brito de Sousa

a aluada pint (1).jpg

Imagem Pinterest

*

CANTIGA

A Este Moto Seu:
*

 

Venceu-me Amor, não o nego;

tem mais força qu'eu assaz;

que, como é cego, e rapaz,

dá-me porrada de cego!
*

VOLTAS
*

Só porque é rapaz ruim,

dei-lhe um bofete, zombando;

diz-me:- Ó mau, estais-me dando

porque sois maior que mim?

pois se vos eu descarrego...

Em dizendo isto, chaz!

torna-m'outra. Tá! rapaz,

que dás porrada de cego!
*


Luís de Camões
*

 

Resposta de üa frágil donzela
que per ali passava
*


Quão errado estais, senhor!

Pode Amor ser rapariga,

Bela mas boa de briga,

Que não perdendo o pudor

Vos desarma e vos castiga

Aplicando-vos um murro

Em vez do beijo, quiçá,

Que não quer dar e não dá

Porque algo lhe cheira a esturro:

Vós é que, nisto, sois burro

Pensais que dessas não há

E acreditais firmemente

Ser, Amor, um rapazote

Que ao dar-vos um piparote,

Vos deixou tonto e dormente

E vos rasgou o capote...

Pois em verdade vos digo,

Que maior não sou que vós,

Que uso saiote e "bandós",

Mas se me sentisse em p`rigo,

Nem levantaria a voz,

Dar-vos-ia um tal castigo

Que o estrago seria atroz...

Muito cuidado comigo!
*


Mª João Brito de Sousa

22.12.2024 - 15.15h
***

O Mote e as Voltas de Camões foram

retirados do Blog

Sociedade Perfeita

SUPER FLUMINA BABYLONIS - Excerto do poema de Luís de Camões

21.12.24 | Maria João Brito de Sousa

casal pint.jpg

Imagem Pinterest

*

SUPER FLUMINA BABYLONIS
*

Sôbolos rios que vão

por Babilónia, m'achei,

onde sentado chorei

as lembranças de Sião

e quanto nela passei.

Ali o rio corrente

de meus olhos foi manado,

e tudo bem comparado,

Babilónia ao mal presente,

Sião ao tempo passado.

Ali, lembranças contentes

n'alma se representaram,

e minhas cousas ausentes

se fizeram tão presentes

como se nunca passaram.

Ali, despois de acordado,

co rosto banhado em água,

deste sonho imaginado,

vi que todo o bem passado

não é gosto, mas é mágoa.

E vi que todos os danos

se causavam das mudanças

e as mudanças dos anos;

onde vi quantos enganos

faz o tempo às esperanças.

Ali vi o maior bem

quão pouco espaço que dura,

o mal quão depressa vem,

e quão triste estado tem

quem se fia da ventura.

Vi aquilo que mais val,

que então se entende milhor

quanto mais perdido for;

vi o bem suceder mal,

e o mal, muito pior.

E vi com muito trabalho

comprar arrependimento;

vi nenhum contentamento,

e vejo-me a mim, que espalho

tristes palavras ao vento.

Bem são rios estas águas,

com que banho este papel;

bem parece ser cruel

variedade de mágoas

e confusão de Babel.

Como homem que, por exemplo

dos transes em que se achou,

despois que a guerra deixou,

pelas paredes do templo

suas armas pendurou:

Assi, despois que assentei

que tudo o tempo gastava,

da tristeza que tomei nos

salgueiros pendurei os órgãos

com que cantava.

Aquele instrumento ledo

deixei da vida passada,

dizendo:-Música amada,

deixo-vos neste arvoredo

à memória consagrada.

Frauta minha que, tangendo,

os montes fazíeis vir

para onde estáveis, correndo;

e as águas, que iam decendo,

tornavam logo a subir:

jamais vos não ouvirão

os tigres, que se amansavam,

e as ovelhas, que pastavam,

das ervas se fartarão

que por vos ouvir deixavam.

Já não fareis docemente

em rosas tornar abrolhos

na ribeira florecente;

nem poreis freio à corrente,

e mais, se for dos meus olhos.

Não movereis a espessura,

nem podereis já trazer

atrás vós a fonte pura,

pois não pudestes mover

desconcertos da ventura

Ficareis oferecida

à Fama, que sempre vela,

frauta de mim tão querida;

porque, mudando-se a vida,

se mudam os gostos dela.

Acha a tenta mocidade

prazeres acomodados,

e logo a maior idade

já sente por pouquidade

aqueles gostos passados.

Um gosto que hoje se alcança,

amanhã já o não vejo;

assi nos traz a mudança

de esperança em esperança,

e de desejo em desejo.

Mas em vida tão escassa

que esperança será forte?

Fraqueza da humana sorte,

que, quanto da vida passa

está receitando a morte!

Mas deixar nesta espessura

o canto da mocidade,

não cuide a gente futura

que será obra da idade

o que é força da ventura.

Que idade, tempo, o espanto

de ver quão ligeiro passe,

nunca em mim puderam tanto

que, posto que deixe o canto,

a causa dele deixasse.

Mas, em tristezas e enojas

em gosto e contentamento,

por sol, por neve, por vento,

terné presente a los ojos

por quien muero tan contento.

Orgãos e frauta deixava,


despojo meu tão querido,

no salgueiro que ali estava

que para troféu ficava

de quem me tinha vencido.

Mas lembranças da afeição

que ali cativo me tinha,

me perguntaram então:

que era da música minha

que eu cantava em Sião?

Que foi daquele cantar

das gentes tão celebrado?

Porque o deixava de usar?

Pois sempre ajuda a passar

qualquer trabalho passado.

Canta o caminhante ledo

no caminho trabalhoso.

por antr'o espesso arvoredo

e, de noite, o temeroso

cantando, refreia o medo.

Canta o preso documente

os duros grilhões tocando;

canta o segador contente;

e o trabalhador, cantando,

o trabalho menos sente.

Eu, qu'estas cousas senti

n'alma, de mágoas tão cheia

Como dirá, respondi,

quem tão alheio está de si

doce canto em terra alheia?

Como poderá cantar

quem em choro banh'o peito?

Porque se quem trabalhar

canta por menos cansar,

eu só descansos enjeito.

Que não parece razão

nem seria cousa idónea,

por abrandar a paixão,

que cantasse em Babilónia

as cantigas de Sião.

Que, quando a muita graveza

de saudade quebrante

esta vital fortaleza,

antes moura de tristeza

que, por abrandá-la, cante.

Que se o fino pensamento

só na tristeza consiste,

não tenho medo ao tormento

que morrer de puro triste,

que maior contentamento?

Nem na frauta cantarei

O que passo, e passei já,

nem menos o escreverei,

porque a pena cansará,

e eu não descansarei.

Que, se vida tão pequena

se acrecenta em terra estranha,

e se amor assi o ordena,

razão é que canse a pena

de escrever pena tamanha.

Porém se, para assentar

o que sente o coração,

a pena já me cansar

não canse para voar

a memória em Sião.

Terra bem-aventurada,

se, por algum movimento,

d'alma me fores mudada,

minha pena seja dada

a perpétuo esquecimento.

A pena deste desterro,

que eu mais desejo esculpida

em pedra, ou em duro ferro,

essa nunca sela ouvida,

em castigo de meu erro.

E se eu cantar quiser,

em Babilónia sujeito,

Hierusalém, sem te ver,

a voz, quando a mover,

se me congele no peito.

A minha língua se apegue

às fauces, pois te perdi,

se, enquanto viver assi,

houver tempo em que te negue

ou que me esqueça de ti.

Mas ó tu, terra de Glória,

se eu nunca vi tua essência,

como me lembras na ausência?

Não me lembras na memória,

senão na reminiscência.

Que a alma é tábua rasa,

que, com a escrita doutrina

celeste, tanto imagina,

que voa da própria casa

e sobe à pátria divina.

Não é, logo, a saudade

das terras onde naceu

a carne, mas é do Céu,

daquela santa cidade,

donde esta alma descendeu.

E aquela humana figura,

que cá me pôde alterar,

não é quem se há-de buscar:

é raio de fermosura,

que só se deve de amar.

Que os olhos e a luz que ateia

o fogo que cá sujeita,

não do sol, mas da candeia,

é sombra daquela Ideia

que em Deus está mais perfeita.

E os que cá me cativaram

são poderosos afeitos

que os corações têm sujeitos;

sofistas que me ensinaram

maus caminhos por direitos.

Destes, o mando tirano

me obriga, com desatino,

a cantar ao som do dano

cantares d'amor profano

por versos d'amor divino.

Mas eu, lustrado co santo

Raio, na terra de dor,

de confusão e de espanto,

como hei-de cantar o canto

que só se deve ao Senhor?

Tanto pode o beneficio

da Graça, que dá saúde,

que ordena que a vida mude;

e o que tomei por vício

me faz grau para a virtude;

e faz que este natural

amor, que tanto se preza,

suba da sombra ao Real,

da particular beleza

para a Beleza geral (...)

***

 

Luís de Camões

***
.

SUB AQUA IN BABYLONIA
*


Sôbolos rios que evocais,

Irei eu, meu coração,

E também irá Sião

Já que de Sião falais

E de mim não cuidais, não...

Sigo o vosso pensamento

Pra mitigar vossas mágoas

Mas não me afogo nas águas

Que antes sufoco em tormento

Como lava entre ígneas fráguas...

Não me ouvis e não me vedes

Mas sôbolos rios levada

Serei a moura encantada

Que vem matar vossas sedes

Recolher as vossas redes

E alumiar-vos a estrada....

Trago no meu corpo a lira

Pra que a tenhais sempre à mão

Já que me cabe a função

De evitar que assim vos fira

O silêncio de Sião...

Se acaso vos debruçásseis

Sobre o meu corpo invisível,

Continuaria intangível

Ainda que me tocásseis,

Pois de ideias sou tecida:

Dos sonhos que haveis sonhado

Me ergui, bocado a bocado:

Estou viva não tendo vida...

Mas de mim não cuideis mais,

Não sou Pátria nem Nação

E se cumpro esta missão

Sonho tudo o que sonhais...

Vossa amada frauta trago

No meu peito inexistente:

Toda sou de água corrente,

Toda eu sereno afago

Cujo afagar se não sente...

Mas falai, contai-me ainda

Dessa terra em que viveis

Tão dif`rente em suas leis,

Tão miserável quão linda...

Oh, julgo ter-vos chocado!

Como pudestes ouvir-me

Se a corrente avança firme?

Estou bem perto, a vosso lado,

Mas terei de despedir-me

Se em vez simples ideia

Passar a ter corpo e voz...

Ah, ser ouvida por vós

Quase, quase me incendeia,

Mas seria um erro atroz

Que me imporia a partida

E a desistência total

Deste meu ser virtual

Por missão jamais cumprida...

Não me olheis, por Deus, parai

De procurar, junto aos rios,

Pelo meu corpo de fios

Que pelas águas se vai

Em ondas e rodopios

Que não podereis tocar...

Deixai que fique convosco:

Imaginai-me qual tosco

Velho tronco a flutuar...

E assim num galho me enrosco,

Pra que não consigais ver

Nem sinal disto que sou

Já que a minha voz negou

Que sou, afinal, mulher...
*


De água estando disfarçada

Amei-vos, sofri por vós,

Vós que desatais os nós

Da minha capa encantada

E agora, ficámos sós,

De olhos nos olhos que choram

Mil mágoas sôbolos rios

Que correm cheios/vazios:

Ai dos meus que se enamoram,

Ai dos vossos porque eu vi-os...
***


Mª João Brito de Sousa

21.12.2024 - 15.50h
***

O Poema Super Flumina Babylonis

foi recolhido no Blog

Sociedade Perfeita

 

Nota - Por falta de espaço, foi-me impossível

publicar todo o longo poema 

que poderão ler na íntegra no blog 

de onde este extracto foi recolhido

 

 

 

 

O PATUDO DE SCHRÖDINGER

20.12.24 | Maria João Brito de Sousa

crazy baby cat (1).jpg

Imagem Pinterest

*

O PATUDO DE SCHRÖDINGER
*


Não sou gata morta/viva,

Mas nas mesmas condições,

Viva-morta/Ausente-activa,

Vou compondo estas canções
*


Quem me ouvir, cá, deste lado,

Dirá que ainda respiro,

Quem não me ouvir é levado

A pensar: - Nem um suspiro!
*


Esta quântica, senhores,

Não é fácil de entender:

Schrödinger rufou tambores,

Vendo um morto por morrer?
*


P`rante tanta instab`lidade

E tais sobreposições

Mal se vislumbra a verdade:

Não há luz, só apagões,
*


Porque um gato vivo e morto

. - tudo simultaneamente -

Pode estar somente absorto,

Ou mesmo apenas dormente...
*


Eu que morta inda não estou

E que génio nunca fui,

Só quero ser como sou:

Tudo o mais a Musa intui!
*


Tanta balbúrdia, afinal,

Pra chegar a um princípio

Que é o da Pura Incerteza:

Sim, ao prato principal,

Servido pelo mancípio

Que traz o gato prá mesa...
*


E sob o cofre de lata,

A incerteza é crescente:

Será qu`inda mexe a pata?

Morrerá de trás prá frente?
*


Ah, se alguém me propuser

Vida e Morte em simultâneo,

Musa não é, nem mulher,

É talvez o sucedâneo

Dum`outra coisa qualquer!
*


Mais completamente incerta

Me sinto neste momento

Do que jamais me hei sentido

E se me julgava esperta,

Nego que tal pensamento

Me haja um dia convencido!
*


Sinto-me lerda e tacanha

Quando me falam de "qubits",

Palavrinha muito estranha,

Ou "a word that nowhere fits"...
*


Ah, eu hei-de assegurar-me,

De inteira estar neste estado

Que, não sendo o meu melhor,

Não me impõe multiplicar-me,

Não me mata... no passado,

Nem me exige um tal rigor!
*


Deixo prós iluminados

Com QIs bem sup`riores

E vastos anos de estudo

Os meus neurónios queimados

Por "expoentes" e "vectores",

Mas... DEVOLVAM-ME O PATUDO!
*


Mª João Brito de Sousa

20.12.2024 - 13.00h
***

 

CANTANDO COM CAMÕES - XI

19.12.24 | Maria João Brito de Sousa

young lady with cat pint (3).jpg

Imagem Pinterest

*

ESPARSA

A uma Dama que lhe mandou
pedir algumas obras suas
*

TROVAS

*
Senhora, se eu alcançasse

no tempo que ler quereis,

que a dita dos meus papéis

pola minha se trocasse;

e por ver

tudo o que posso escrever

em mais breve relação,

indo eu onde eles vão,

por mim só quisésseis ler;

Depois de ver um cuidado

tão contente de seu mal,

veríeis o natural

do que aqui vedes pintado;

que o perfeito

Amor, de que sou sujeito,

vereis áspero e cruel,

aqui com tinta e papel,

em mim co sangue no peito.

Que um contino imaginar

naquilo que Amor ordena,

é pena que, enfim, por pena

se não pode declarar;

que, se eu levo

dentro n'alma quanto devo

de trasladar em papéis,

vede qual melhor lereis:

se a mim, se aquilo que escrevo?
*

Luís de Camões
***

Resposta de Essa Dama
*


Dai-me tempo, meu senhor,

Porque embora me afirmeis

Que mui crus são os papéis

E mui terno o vosso amor,

Foi aos vossos belos versos

Que entreguei o coração

E agora em contradição

Com sentimentos diversos,

Não sei a quem quero mais:

Por mais sincera que seja,

Não sei se esta Alma deseja

Mais a vós que ao que cantais...

Dizeis a Amor estar sujeito

E eu penso que todos nós

Trazemos Amor na voz

Mas, cantá-lo com preceito,

Sedutor e apaixonado,

Bem poucos mo hão cantado,

E eu gravei-o no meu peito...

Cuidai bem do que pedis:

Pode pender minha escolha

Para um verso numa folha

Em vez de um chá, "vis a vis"...
*

Continuo dividida,

Talvez por me ser mais caro

O poema a que me amparo

Do que trazer-vos à vida...

Ai, por Deus!, que crueldade

Dizer-vos o que que vos disse!

Não me ouçais! É da velhice,

Que é crua sem ter maldade

E mete os pés pelas mãos

Pois nem pés nem mãos são sãos

Perdida a sensib`lidade...

E agora, por mais que doa,

A decisão está tomada:

Plo verso fui conquistada,

Vós podeis voltar pra Goa!
*

 

Mª João Brito de Sousa

19.12.2024 - 14.00h
***

 

A Esparsa de Camões foi retirada

do Blog

Sociedade Perfeita

CANTANDO COM CAMÕES - X

18.12.24 | Maria João Brito de Sousa

mar com gaivotas pinterest.jpg

Imagem Pinterest

*

 

CANTIGA

A Este Moto:
*

Quem disser que a barca pende,

dir-lhe hei, mana, que mente.
*

VOLTAS
*

Se vos quereis embarcar

e para isso estais no cais,

entrai logo; que tardais?

Olhai que está preiamar!

E se outrem, por vos fretar,

vos disser que esta que pende,

dir-lhe hei, mana, que mente.

Esta barca é de carreira,

tem seus aparelhos novos;

não há como ela outra em Povos,

boa de leme e veleira.

Mas, se por ser a primeira,

vos disser alguém que pende,

dir-lhe hei, mana, que mente.
*

Luís de Camões
***

Voltas de Üm Peão que Per Ali Passava
*


Como todos podeis ver,

Tem Camões a barca feita:

Se ficou torta ou direita

Só ele o pode saber

E eu não o vou desdizer

Pois conto, por prevenção,

Nunca lhe apontar defeito

Porque me dá muito jeito

Cruzar nela o Rubicão

Sem lhe dar opinião

Sobre saber e mestria

E ainda que a barca penda

Não lhe deitarei emenda:

Fazê-lo não saberia

E Camões negá-lo-ia...

A um passageiro ouvi

Dizer que pendia, o bote,

Mas não tanto que eu o note

E a falar não me atrevi

Que, de barcas, pouco entendo

E ao ouvir o desmentido

Ficaria dividido:

Deitar, ao bote, remendo,

Ou fingir nada estar vendo

E passar despercebido?

Não fui o seu carpinteiro,

Nem um prego cravei nela...

Seja, ou não, segura e bela,

Sou somente um passageiro

Nem sequer sou o barqueiro,

Assim que desta suspeita

De poder estar a pender,

Prefiro nem sequer ver

Se ela pende prá direita,

Ou se a bombordo se ajeita...

Coração que pulsa à esquerda,

Tem pra tal boas razões

E esta barca de Camões

Não sendo tonta nem lerda

Também tal pendência herda

E dela não mais desiste:

Faz-se ao mar de proa em riste!
*


M^João Brito de Sousa

18.12,2024 - 12.00h
***

 

O mote e a Volta de Camões

foram retirados do Blog

Sociedade Perfeita

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

CANTANDO COM CAMÕES - IX

15.12.24 | Maria João Brito de Sousa

red lady pint (1).jpg

Imagem Pinterest

*

CANTIGA

A Este Moto Alheio:
*

Vede bem se nos meus dias

os desgostos vi sobejos,

pois tenho medo a desejos

e quero mal a alegrias.
***


Se desejos fui já ter,

serviram de atormentar-me;

se algum pôde alegrar-me,

quis-me antes entristecer.

Passei anos, passei dias,

em desgostos tão sobeja

que, só por não ter desejos,

perderei mil alegrias.
*


Luís de Camões
*

Cantiga/Resposta de essa dama
*


Se muito tenho a esquecer,

Muito mais tenho a lembrar:

Não vos posso desamar,

Nem vos quero entristecer,

Mas também por agonias

Passo eu na vossa ausência

Tais que só por inocência

Vos pediria alegrias...
*


Penso em chamar-vos por tudo,

Depois fujo-vos por nada

E, quando me sinto amada,

Sei que só a mim me iludo:

Se em vosso Amor acredito,

Maldigo-vos por bendito,

Amor que de mim sacudo!
*


Também eu temo os desejos

E fujo das alegrias:

De silêncios cubro os dias

E, à noite, choro por beijos.
*

 


Mª João Brito de Sousa

15.12.2024 - 07.00h
***

 

O Mote e a Cantiga de Camões 

foram recolhidos do Blog

Sociedade Perfeita

*

 

Pág. 1/3