MARIA SEM CAMISA, 2024
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I
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Quando essa Maria viste
tão triste quanto alquebrada
no fundo não viste nada
pois Maria, embora triste,
sempre à tristeza resiste:
Guarda nela a madrugada
que em tempos se fez à estrada
da justiça que lhe assiste,
que não morreu, que persiste
muito embora atraiçoada
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II
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Viste Maria passando
com Abril no seu regaço,
mais segura a cada passo
de quanto passo ia dando
até Novembro... foi quando
sem o ver, pisou um laço
de armadilha num pedaço
do chão que estava lavrando,
por desgraça condenando
Abril a quase fracasso
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III
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Julgas morta essa Maria,
mas do chão que ela lavrou
outra Maria brotou
trabalhadora e sadia:
É essa a que aguarda o dia
que a outra testemunhou
nesse Abril que já passou
mas que cheio de ousadia
plantou a Democracia
no mesmo chão que a matou
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IV
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Se a não vês porque a cegueira
de algum Novembro traidor
te vendou, olha melhor
para que a vejas inteira
ao lado de uma ceifeira
que a irmanava em valor
já que por causa maior
também lutou sem canseira
até tombar numa leira
regada plo seu suor
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V
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Sei que há muitos confundidos
pelos seus póprios algozes
que em conjunto erguem as vozes
fingindo - pois são fingidos! -
não serem grandes bandidos
que intentam coisas atrozes
pra dar em pequenas doses
aos que lhes fiquem rendidos
e os queiram bem recebidos
mesmo sendo bestas f`rozes
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VI
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Eu, que conheço Maria,
não posso ter pretenções
a calar esses vilões
através da poesia
e prevejo uma razia
que trará contestações...
Cá tenho as minhas razões
pois sei que a demagogia
sempre serve a vilania
que puxar por mais galões...
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VII
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Ó mulher de pouca fé,
ó homem de fraco senso,
se pensais tal como eu penso
porque andais de marcha à ré?
Pois não vedes que a maré
deste mar enorme, imenso,
vai e vem sempre em consenso
com o que ela própria é?
Se podeis por-vos de pé
Sois da espécie a que pertenço!
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VIII
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Mas se, enfim, temeis perder-vos
neste mar em que navego,
eu nenhum temor vos nego,
também eu sou carne e nervos
já nada posso valer-vos,
pouco mais vejo que um cego...
Mas não sou serva de um ego
que me diga não dever-vos
mais do que devem os servos
aos que lhes dão bom emprego!
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IX
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Como tal, aqui me vedes,
descamisada e sem Musa,
vestindo uma velha blusa
e entre estas quatro paredes
onde matei fomes, sedes,
mil coisas que ninguém usa
e onde escrevo o que hoje abusa
dos que navegam nas redes
qu`rendo ler, como vós qu`redes,
prosa curta e não profusa...
*
X
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Mas se em verdade lamento
retornar desta maneira
tal qual jorro de torneira
que travar nem sequer tento,
de jorrar mais me contento
que de ficar na cadeira
cansada de ser canseira
prá madeira em que me sento
em vez de ousar, como o vento,
ir beijando a Terra inteira.
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Mª João Brito de Sousa
06.06.2024 - 23.15h
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Imagem com cerca de uma década
digitalizada pelo camarada João Luís Ventura