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http://asmontanhasqueosratosvaoparindo.blogs.sapo.pt

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EIS AS MONTANHAS QUE OS RATOS VÃO PARINDO

por muito pequenos que pareçam ser... NOTA - ESTE BLOG JAMAIS SERVIRÁ CAFÉS! ACABO DE DESCOBRIR QUE OS DOWNLOADS SE PAGAM CAROS...

AS TEIAS QUE O LUAR TECE- Reedição

02.04.23 | Maria João Brito de Sousa

MULHER - Pavia, Livro de Bordo (3).jpg

Gravura de Manuel Ribeiro de Pavia,

in Livro de Bordo

de António de Sousa

*

 

AS TEIAS QUE O LUAR TECE

*

Nas teias que o luar tece
Por cima dos pinheirais,
Vez por outra me acontece
Ver longe e ver muito mais,
Mas, de quanto me aparece,
Nunca vi – nunca, jamais! –,
Nessas visões que m`oferece,
Coisas que fossem banais:

*

Vi segredos bem guardados
De vontades por escrever
Atrás de mil cadeados
Qu`inda estão por conceber
Nos traços desencontrados
De enigmas por resolver,
Tão estranhamente esboçados
Que eu nunca pude entender
Por que me foram mostrados
Se não pedira pr`ós ver

*

Vi, nessas teias benditas
Que o luar teceu pra mim,
As mil coisas nunca escritas
Por mãos que fossem assim

*

Vi verdades, nessas teias
Que o luar me quis mostrar
E, depois de as ler, deixei-as
Pr`alguém que as pudesse achar

*

Vi letras de prata pura
Descrevendo esses pinheiros
Com a toda a casta ternura
Dos seus rebentos primeiros

*

Vi a vida que começa
No recomeço da vida!
Vi puzzles, peça por peça,
Sem me apressar na partida
E, como alguém que tropeça
Em causa desconhecida,
Vi tudo a crescer sem pressa
Ou foi-me a vista traída
Tal qual fosse apenas essa
A razão de eu estar perdida,
Sem certezas nem promessa
De encontrar uma saída…

*


Nas teias que o luar tece
À noite, sobre os pinhais,
Vez por outra me acontece
Ver longe e ver muito mais,
Mas, de quanto me aparece,
Não pude encontrar, jamais,
Nas transgressões que me of`rece,
Coisas que fossem banais.

*

 

Mª João Brito de Sousa

Abril, 2012

*

A CRIAÇÃO DAS BARCAS - Reedição

01.04.23 | Maria João Brito de Sousa

A TECEDEIRA DE BARCAS, 1999.jpg

A CRIAÇÃO DAS BARCAS
*


Minha terra espreguiçada

Entre Tejo e mar bravio,

Crescendo ao longo do rio,

Pelas ondas abraçada

Como se fora, apressada,

Mergulhar no leito frio

Onde avistasse navio

Em que embarcasse assombrada

Trocando tudo por nada

Em resposta ao desafio!
*


Barca em que vivo e cresci

Desde que a mim me recordo,

Fruto que afago e que mordo

Tanta vez quantas mordi

Palavras que aqui teci

Numa presunção de acordo

No qual o poema engordo

Com as coisas que aprendi

Desde o dia em que nasci

E, ao nascer, saltei pra bordo
*


Pisando o velho convés,

Tomando os remos nas mãos,

Vencendo os tormentos vãos,

Correndo-a de lés a lés

Como se sob os meus pés,

Junto aos pés dos meus irmãos,

Brotassem sonhos tão sãos

Que derrubassem, de vez,

A voragem das marés

Que afogam concidadãos...
*


Barca ideada por mim

E por mais mil que, a meu lado,

Fazem do sonho ideado

Luta, projecto e, por fim,

Constroem cama e jardim

Onde era um nada... E nem brado

Seria tido ou achado

Se ninguém sonhasse assim,

Mudando aspereza em cetim

E deserto em verde prado
*


Onda bravia ou corcel,

Barca em madeira e também

Berço em que dormisse alguém,

Mal um prenúncio de mel

Vencendo agruras de fel

O compelisse a ser mãe

De quanto à espécie convém:

Filhos da carne a cinzel,

Foice e martelo e pincel,

Vindos de um sonho que tem!
*

 


Maria João Brito de Sousa

17.10.2014 – 14.06h
***


In Antologia Tertúlia da Gandaia

Hórus Editores, 2016
***

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