MOTE
*
Dá-me um sorriso ao domingo,
Para à segunda eu lembrar.
Bem sabes: sempre te sigo
E não é preciso andar
*
Fernando Pessoa.
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GLOSAS
*
CONVERSANDO COM MORFEU
I
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Acendeste uma fogueira
Que eu ora atiço, ora extingo...
Rola a cera, pingo a pingo,
Duma vela ainda inteira
Com que alumio esta esteira
E o lençol rosa-flamingo
Cuja cor já mal distingo,
Convida a minha canseira
A uma sesta ligeira...
"Dá-me um sorriso ao Domingo"!
*
II
*
Deitei-me e adormeci
Mas não consegui sonhar
Senão depois de acordar...
Tantos anos já vivi
Que não sei se cabe aqui
O que tenho pra contar;
Morfeu, pronto a difamar,
Dir-vos-á que vos menti
E à primeira o engoli
"Para à segunda eu lembrar"
*
III
*
Também dirá que sou tonta,
Que nunca meço o que digo
Que até posso ser um perigo,
Embora de pouca monta...
Ah, que me importa essa afronta
Se Morfeu vem ter comigo
E é em mim que encontra abrigo
Quando o vento sopra contra
E a insónia te amedronta;
"Bem sabes: sempre te sigo"
*
IV
*
Sossega, velho Morfeu,
Nunca te hei-de abandonar
E a quem te tente roubar
Direi que és meu, que és tão meu
Quanto os astros são do céu,
Quanto as ondas são do mar
E a lua, se houver luar,
É da luz que recebeu...
Irás aonde for eu
"E nem é preciso andar"!
*
Mª João Brito de Sousa
20.01.2022 - 20.00h
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NOTA - Poema em décimas glosadas a partir de uma quadra de Fernando Pessoa e inspirado nas décimas criadas pelo poeta José Manuel Cabrita Neves a partir da mesma quadra.