PAPÉIS VELHOS
PAPÉIS VELHOS
*
(Décimas)
Ela é tanta, a papelada,
Que a casa está do avesso
E em cada papel tropeço
Meia desequilibrada...
Da roupa, toda espalhada,
Nem vos falo e reconheço
Ter a doença alto preço:
Nada faço e estou estafada,
Velha, rota, amachucada,
Como os papéis do começo...
*
Quase na terceira idade,
Tenho de andar de bengala
E ao peso de uma só mala
Curvo a própria identidade
Porque a força se me evade
E perco sorriso e fala...
Doença não é cabala
E não será por maldade,
Foi a hereditariedade,
Por isso a voz se me cala
*
Que esta trama das heranças
Tem muito que se lhe diga:
Se, no bom, a muito obriga,
No mau, tal como as finanças,
Faz sempre as suas cobranças,
Não se mostra nada amiga
E, sem culpas, nos castiga
Sem nos dar grandes esp`ranças
De curas ou de bonanças...
Herdei, mas fiquei mendiga!
*
Certo foi, também, que herdei
Grandes riquezas, não nego,
E deste meu desapego
Devo dizer que gostei,
Bem como o pouco que sei
E o muito desassossego...
Mas vê-se um poeta grego
Se penar quanto eu penei!
E agora? O que farei
Com este olhar meio cego?
*
Papelada, papelada,
Velha e rota como eu estou,
Que destino é que te dou,
Se há que manter-te guardada
E já nada cabe - nada! -
Na casa que me (a)guardou?
Como tu, afinal, sou:
Ando toda amarrotada
E tenho a casa ocupada
Pelo que de mim sobrou.
*
Maria João Brito de Sousa – 26.10.2017 - 11.50h