Mote
Falar da trova a contento,
Tem se tentado de tudo,
Transcende o nosso talento
Sua beleza, contudo.
Raymundo Salles (Brasil)
Glosa
Se respondo, ou se o não faço,
Se me tento, ou me não tento,
Nunca o sei, nunca o lamento,
Nem tampouco me embaraço,
Pois há sempre este cansaço
Que me torna o verso lento,
Por muito que, havendo intento,
Se me evada o gesto lasso
E eu consiga, passo a passo,
“Falar da trova a contento”
Pode ser que sim... ou não,
Que em versejo, assim, “chorudo”,
Bem poucas vezes me iludo,
Nem, perdida em confusão,
Deixo de dar, à Razão,
Honras de ouro e de veludo
Quando alguém, num espanto mudo,
Vem pedir-me opinião
E afirma, numa aflição;
“Tem-se tentado de tudo”!
Sei que, por vezes, nos falta,
Na estrofe, o discernimento
Que conduz poeta atento
Ao que em poema se exalta
Se cada sílaba assalta,
De rompante, o sentimento,
Como a luz que ao firmamento,
Todo inteiro, sobressalta
E por estar no céu, tão alta,
“Transcende o nosso talento”!
Porém... tentemos, ainda,
Mudar um verso”bicudo”,
Noutro mais grave e sisudo
De que um leitor não prescinda
Em melodia tão linda
E que, a ele, o torne mudo,
Já rendido e, sobretudo,
Preso à luz, que nunca finda,
Dos mistérios que deslinda
“Sua beleza, contudo”...
Maria João Brito de Sousa – 09.02.2015 – 10.00h
Imagem - "Over the Village" - Chagall