ODISSEIA DA SEMPITERNA OVELHA NEGRA
------------ FÁBULA EM DÉCIMAS -------------
(com um chavelho partido e alguns órgãos a menos...)
Ou me fizeram à pressa
E fiquei por acabar,
Ou quem me quis melhorar,
Desmontou-me peça a peça
Até chegar à cabeça
Em que nem ousou tocar
Porque, estando em seu lugar,
O melhor será que, a essa,
Nem veja quem me começa,
O resto, a re-programar...
Viva mas já despojada
De alguns órgãos dispensáveis,
Estou entre os mais vulneráveis
Elementos da manada
E, de lã negra trajada,
Entre os menos desejáveis...
Porém, aos menos fiáveis
Não direi nada de nada,
Que ovelha negra, escaldada,
Faz opções quase insondáveis...
Passo pelos companheiros
Que, alegres, me vão saudando;
Nenhum pensa como ou quando...
Estando, por enquanto, inteiros,
Vão por estradas e carreiros...
Vai-os, o dono, enganando
Entretendo e empurrando
Pr`á berma, em despenhadeiros
Onde as copas dos pinheiros
Já mal se vão divisando.
Não sei que papel me cabe
Nesta odisseia final,
Mas sou um velho animal
E bicho vivido sabe
Não prestar quem mais se gabe
De saber quando, afinal,
Pode haver um bicho igual
Que é mais matreiro e se evade...
-Diga-me lá, ó compadre;
Acha que isto acaba mal?
O outro, carneiro velho,
Respondeu que nada achava
E a marchar continuava
Sem dignar-se a dar conselho,
Mas muito ao longe um pardelho
Abrindo as asas, voava...
Que bem que agora calhava
Poder trocar um chavelho
Por asas que fossem espelho
Do que esta alma demandava!
Mas... se chavelhos ostento,
Por que não dar-lhes bom uso?
Já fui vítima de abuso
E se nisto me contento,
Ou apenas me lamento,
Vejo que nada recuso,
Que como qualquer recluso
Aceitei o sofrimento
E lancei a sorte ao vento,
Como ao poço um parafuso!
Se o penso, melhor o faço
E dando forte marrada
No algoz da bicharada,
Projectei-o para o espaço
Para o qual `inda há pedaço
Empurrava a carneirada
Que, agora muito agitada,
De repente freia o passo...
-Lá vai o grande madraço!
Nem mais uma chicotada!!!
Maria João Brito de Sousa – 13.08.2017 – 18.38h