MEDOS - Ou factos...
Hoje não posso, não quero,
nem devo, sequer, conter
palavras que, em bom dizer,
são quase de desespero
e, se em palavras me esmero,
nelas me deito a perder
quando, nelas, vos disser
que amordaçada, não espero,
do que produzo, o sincero
vigor de outro amanhecer...
Vencida, não convencida
de jamais poder voltar,
quero, posso e vou gritar
que espero, enquanto houver vida,
ir protelando a partida
até que entendam calar
quanto verso aqui deixar,
mesmo que eu, comprometida,
esteja quase de saída
de onde ainda posso estar;
Nas pás deste meu moinho,
nos braços desta nortada
que hoje sopra desvairada
sobre este meu jardinzinho
onde cresce o rosmaninho
num chão que nunca deu nada
mas transgride, à descarada,
regras de um solo maninho
que nunca rouba o vizinho
nem viu sombra de uma enxada...
Hoje, por mais que me doa,
vou dizê-lo enquanto posso;
deste chão não brota almoço!
Brotam só versos à toa
das veias de uma pessoa
que as remete, contra endosso,
para quem, de carne e osso,
saiba que um poema soa
como uma canção que ecoa
nas profundezas de um poço...
Hoje quero, mas não devo
dizer que a vida me dói
e o silêncio me corrói,
que a praga, onde o verde trevo
florescia em grato enlevo,
toda a colheita destrói,
tudo esmaga, tudo mói,
e que, sempre que me elevo,
me derruba quanto escrevo...
(...e eu nunca quis ser herói...)
Maria João Brito de Sousa - 07.06.2015