EU E O SEM ABRIGO
Eu vejo,
Eu vejo e não digo,
Não digo nada a ninguém,
Um pobre e velho mendigo
Que não diz nada, também.
A cada dia que passa,
Mais pobre fica… envelhece,
No velho fato que esgaça
De um tempo que nunca esquece.
Já foi jovem,
Já foi rico – talvez só remediado –
Um dia teve um emprego
E hoje, velho e reformado,
Uma bengala de cego.
Nasce algum ressentimento
De lhe ver, em cada dia,
Marcas desse sofrimento
Que a ninguém desejaria.
Identifico-me, eu sei…
Mas num tempo em que era” rica”
Também me identifiquei
E, se quem me lê, critica
Pois tanto lugar-comum,
Tanto dizer que lamento
Não lhe quebra esse jejum,
Nem o tira do relento…
Talvez devesse, talvez…
Talvez devesse calar-me,
Não me impor tantos porquês
Que nunca irão ajudar-me…
Mas, se o senti, está sentido
E em verdade vos digo;
Antes fora empedernida!
Antes tivesse mentido…
Não fosse ele um sem-abrigo,
Tivesse ele opção de vida!
Maria João Brito de Sousa – 10.05.2010