Saltar para: Posts [1], Pesquisa [2]

http://asmontanhasqueosratosvaoparindo.blogs.sapo.pt

http://asmontanhasqueosratosvaoparindo.blogs.sapo.pt

EIS AS MONTANHAS QUE OS RATOS VÃO PARINDO

por muito pequenos que pareçam ser... NOTA - ESTE BLOG JAMAIS SERVIRÁ CAFÉS! ACABO DE DESCOBRIR QUE OS DOWNLOADS SE PAGAM CAROS...

O FIO DA NAVALHA

30.12.09 | Maria João Brito de Sousa

Vivo no fio da navalha,

Confiando que o caminho,

Mesmo agreste, me não falha

E há-de conduzir-me ao ninho.

 

A muitos não recomendo

Um caminho tão esforçado

Mas, a outros, eu pretendo

Deixar o trilho marcado…

 

A quem saiba equilibrar-se

Numa aresta assim tão fina,

Sugiro que saibam dar-se

Ao virar de cada esquina.

 

Por vezes tudo parece

Muito além do nosso alcance

Mas a navalha conhece

Indecisões, num relance

 

E o tal gume afiado

Torna-se então, por segundos,

Mais urgente e desejado

Do que os medos mais profundos!

 

E nesse equilíbrio instável

Se percorre o dia a dia,

Às vezes desconfortável

E outras em plena harmonia!

 

 

 

 

VIDA - Ab Initio III

29.12.09 | Maria João Brito de Sousa

Não era noite nem dia.

Nenhum pedaço de ser,

Nenhum átomo de vida,

Realmente conhecia

O que iria acontecer

Ao longo dessa avenida…

 

Nenhuma memória antiga,

Nenhum rasto de passado,

Nem um exemplo a seguir…

E, no entanto, a fadiga

Prometia ir lado a lado

Com o que ousasse prosseguir…

 

Não era dia nem noite.

Era um tempo indefinido

Num intervalo do espaço

E eis que irrompe, como açoite,

Um começar desmedido

Que se erguia como um braço…

 

Nenhuma antiga memória,

Nem sequer um pensamento

Fugaz, leve, passageiro…

Mas ela desponta em glória,

Sem qualquer constrangimento,

E povoa um mundo inteiro!

 

É então que nasce o Tempo

[talvez fosse em simultâneo

e eu não tenha reparado…]

Que dividiu o Momento,

Ou um qualquer sucedâneo,

Entre Futuro e Passado.

 

Mas se duvidais de mim,

Do que narro ou imagino,

Ide bem dentro de vós…

Cada início tem seu fim!

Seja imenso ou pequenino

Cada rio morre na foz…

 

 

 

 À minha amiga Madalena que partiu no dia de Natal.

 

 

 

 

O AUTO FALHADO

29.12.09 | Maria João Brito de Sousa

Falhado! Não passas de um merdoso falhado!,

Gritava ela para o rádio de pilhas, coberto de fita-cola, que padecia de mudez total.

- Canta comigo ou canta para mim! Foi para isso que te comprei! E encanta-me… e faz-me dançar!

Ele ouvia-a com a paciência de um pai experiente, aturando a milésima birra de uma filha insuportavelmente exigente. Tangeu, baixinho, uns acordes pouco audíveis. Procurou no ar a onda que escapara e pôs-se, finalmente,

a cantar para ela, em altos decibéis, sem sombra de desafinação.

- Cranberries! Canta Cranberries!, exigiu ela, já sorridente, mas ainda insatisfeita. O infeliz perguntava-se que mal teria feito, na encarnação em que fora candeeiro de calçada, para merecer uma companheira daquelas…

Vieram os Cranberries por obra e graça de uma onda curtíssima que pediu emprestada ao gravador do vizinho do lado.

Ela cantava, dançava e ria, coisa que o deixava estranhamente perturbado. Não fazia qualquer sentido, mas a verdade verdadinha é que ela, sempre que cantava, ria ou chorava… isso captava ele, perfeitamente, no seu circuito integrado… ou integrante.

Ele, apesar dos desconcertos, gostava dela e tudo fazia para lhe agradar mesmo quando os sons que ela emitia o confundiam até à mudez.

- “Tudo o que te dou”…, pedia ela com um sorriso infantil.

- Tudo o que te dou…, repetiu ele. E calou-se.

Ela compreendeu que ele estava cansado. Sentou-se junto dele e adormeceu.

Durante toda a tarde ele ansiou ser homem e ela sonhou ser apenas melodia.

 

O QUARTO DE LUA

28.12.09 | Maria João Brito de Sousa

No quarto de lua

Que outrora habitei

Por falta de um espaço

Que me definisse

Em que eu encontrasse

O estro que é meu

E um dia neguei…

 

No quarto de lua

Que então me serviu

De abrigo,

De amigo,

De ovo,

De carcaça,

Até encontrar

A força e a raça

De quem DESCOBRIU…

 

Encontrei montanhas

De puro cristal,

Castelos de giz,

Palácios de sal

Que deram sentido

Àquilo que eu fiz…

 

METADE DE TI

14.12.09 | Maria João Brito de Sousa

Olha!

Reconheces-me ainda

Na maçã de todas as noites de desejo?

Reconheces-me agora

No nardo puro que derramei no teu cansaço?

Reconhecer-me-ás depois

Quando o teu filho te souber olhar nos olhos?

 

Olha!

Repara que continuo serena e imutável.

Repara como oscilo entre a verticalidade

Da minha fé e a horizontal do teu desassossego…

Repara em mim!

Repara em mim que sempre estive à tua espera

No desconforto do parto, na saudade da partida,

Na urgência dos sentidos e na solidão da viuvez…

 

Repara!

Nos sulcos que as lágrimas me lavraram na face,

No ventre sempre em flor que te dei na Primavera,

No seio que te ofereci quando menino e homem,

Nas mãos que, dia a dia, te amassaram o pão…

 

Repara,

Repara em mim! Filha, companheira, irmã e mãe…

Eu sou essa metade de ti que não conheces!

 

 

 

 

O CAPITÃO BOA-MORTE

04.12.09 | Maria João Brito de Sousa

O meu pombo, o capitão

Boa-Morte/Rica-Vida

Voa sempre para o chão...

Tem uma asinha partida!

 

Já não conhece a diferença

Entre descer e subir!

Não há força que o convença

A voar e a partir...

 

Meu capitão Boa-Morte

Já não faz senão correr...

Qual será a sua sorte

Sem voar até morrer?

 

Já não voa, já não come...

Eu fico de mãos atadas

Porque o tempo se nos some…

E nós de asas amarradas!!!

 

EXERCÍCIO EM DECASSÍLABO E REDONDILHA

03.12.09 | Maria João Brito de Sousa

Procuro outros perdões, outras carícias

Da nova dimensão intemporal,

Procuro imensidões nas mil delícias

Deste teimar pr`além do que é normal.

 

Não sei se, viva, me perco

Ou se é morrendo que vivo…

Procuro o céu descoberto

De um sol menos punitivo.

 

Procuro-me, afinal, mas tão sem pressa,

Reconhecendo bem que procurar

Não tem tempo ou barreira que me impeça

De, mais tarde ou mais cedo, me encontrar…

 

Não sei se, viva, me perco

Ou se é morrendo que vivo…

Procuro o céu descoberto

De um sol menos punitivo.

 

 

 

 

DONO, PRECISA-SE!

02.12.09 | Maria João Brito de Sousa

Quem quer um gato amarelo,

Saudável e bem parecido,

Muito jovem, muito belo,

Que vos fica agradecido?

 

Quem me quer levar consigo?

Prometo portar-me bem,

Ser, p`ra sempre, um bom amigo

Como o fui pr`á minha mãe…

 

Estou cansado de estar preso

E de nunca ser aceite…

Aspiro ao espaço coeso

De uma família de leite.

 

Não me deixem condenado

Nesta eterna instabilidade

De viver aprisionado,

De nunca ter liberdade…

 

Quem quer um gato amarelo,

Saudável e bem parecido,

Muito jovem, muito belo

Que vos fica agradecido?

 

O MILITANTE

01.12.09 | Maria João Brito de Sousa

 

 

Tenho um gato militante

Dessoutra causa improvável

Que é tornar-se “comandante”

Dum terreno inconquistável…

 

Precisa de um espaço amigo

Qu`inda não esteja ocupado

E que não se torne um perigo

Pr`a sua causa, coitado!

 

Somos ambos militantes

De causas muito improváveis

Em espaços equidistantes…

Que situações reprováveis!

 

Tenho um gato militante

Dessoutra causa improvável

Que é tornar-se “comandante”

Dum terreno inconquistável…

 

 

 

NOTA - Este poema ao Spirit foi publicado em pré-datação