DESTA ÁGUA NÃO MAIS BEBEREI
Rasgam-se montanhas.
Fundem-se correntes.
Gritam, metálicos gritos,
Engrenagens de um tempo
Que alguém transformou
Em rodas dentadas
E os meus braços, estendidos como limos,
Impotentes, cansados,
Pedem utopias
E alcançam memórias
De crianças que me amaram
Mal as pus no mundo.
Mãozinhas que me arranhavam a cara,
Pezitos minúsculos que eu beijava
Como se fossem a única coisa
Que merecesse a doçura do beijo.
Vozitas agudas que me chamavam Mãe...
Farrapos de memórias,
Fragmentos de um amor que não voltará,
As meninas que sobreviveram
Às crianças que foram,
Não sabem nem sonham
O quanto as amei...
As belas asas que lhes teci,
Dia após dia,
Arrancou-lhas o mundo lá de fora
Pena a pena
E eu choro por elas
E pela menina em mim
Que hoje não consigo ressuscitar...
1994