ANAMNESE
Por aqui passo tão leve,
Num passo largo e tão breve,
Que ninguém me vê passar...
Passo sem deixar pegada
Na terra ou na erva mansa,
Deixo aqui uma palavra,
Deixo ali uma ternura
Nos braços de uma criança...
E passo tão de repente,
Tão brevezinha e sumida,
Que, mesmo sem estar escondida,
Não passo por entre a gente...
Passo tão leve que o céu
Não está mais perto que eu
Das aves e das estrelas
E, de tão leve passar,
Eu já não sou eu... sou elas.
Poderia ser fantasma,
Erva do prado, criança,
Brisa que sopra no Verão
Ou leve sopro de esp`rança...
Um dia, quando chegar
A hora de não voltar
A passar, nem levemente,
Mesmo assim há-de ficar
Um pouco de mim a amar
Dentro de cada semente
E um pouco de mim no vento,
Quando sopra de mansinho
E um pouco de mim, sonhando,
No oco de cada ninho...
Hei-de ficar tão de leve
Quanto passei pela vida
E ninguém me encontrará
Mesmo sem eu estar escondida...
Que eu não quero ser ninguém
Pois ninguém me conheceu.
[por isso nunca fui Eu]
Se ninguém me conheceu,
Como posso ser esquecida?
Nota - Poema não datado, escrito aos meus vinte e poucos anos, se bem me lembro...