GLOSANDO A POETISA MARIA DA ENCARNAÇÃO ALEXANDRE VI
FLOR SILVESTRE
Sou filha dos verdes campos
Neta talvez dos pinhais
Cresci vendo pirilampos
Rodeada de animais
Sou flor arisca e silvestre
No meio de ervas nascida
Rebento verde e campestre
Na cidade ando perdida
Andei descalça na rua
Comi uvas sem lavar
Empurrei uma charrua
Na hora de cultivar
Protegida plos sobreiros
Dormi sestas de Verão
Embalada plos chilreios
E a folhagem por colchão
Quando urtigada, dei ais
Comi azedas, murtinhos
Corri entre milheirais
Subi árvores, vi ninhos
Nas silvas do meu valado
Comi as amoras pretas
Sentei no chão com agrado
Mirei lindas borboletas
Fiz do gato travesseiro
Nas horas de descansar
E do cão meu companheiro
Em tempo de passear
Na confusão da cidade
Sente falta a flor silvestre
Daquele ar de liberdade
Nesse espaço tão campestre
Maria da Encarnação Alexandre
28/01/2016
"PROGRESSO(S)"
"Sou filha dos verdes campos"
Mas fui, fora de contexto,
Ficando presa com grampos,
Já não sei por que pretexto...
"Sou flor arisca e silvestre"
Transformada em rocha dura
Pelo sopro louco, agreste,
De uma vontade imatura...
"Andei descalça na rua"
Depois de amadurecer,
Uivando às fases da Lua,
Sem da Terra me esquecer...
"Protegida plos sobreiros",
Inventei-me, eu, protectora
Da glória de uns abrunheiros
De que fui dona e senhora...
"Quando urtigada, dei ais",
Mas não quis voltar atrás;
Desafiei, pedi mais,
Mostrei do que era capaz!
"Nas silvas do meu valado"
Deixei preso o meu vestido...
Deixei-o por lá, rasgado,
Deixei-o ficar, esquecido...
"Fiz do gato travesseiro"
Sempre tentando entender
Como é que um simples rafeiro
É sábio, sem o saber...
"Na confusão da cidade"
Sempre avanço, mas confesso
Ter certa dificuldade
Em chamá-la de "progresso"...
Maria João Brito de Sousa - 24.09.2016 - 13.15h